Na última sexta-feira (27/10), o Ministério da Fazenda publicou a Portaria Normativa nº 1.330/2023, que dispõe sobre as condições para exploração da loteria de apostas de quota fixa, no Brasil.
A Portaria faz parte da regulamentação das apostas esportivas prevista na Lei 13.756/2018, que deveria ter ocorrido até 2020 – prazo prorrogado para 2022, mas sem cumprimento. Ela faz parte da regulamentação disposta na Medida Provisória nº 1.182, de 25 de julho de 2023, e no Projeto de Lei proposto pelo Governo Federal no Congresso Nacional
A Portaria é o primeiro ato publicado pelo Ministério da Fazenda. Sendo simplista, é o ato que poderia ter ocorrido primeiro e mais facilmente que a medida provisória e o projeto de lei.
Ainda em 2018, o Ministério da Fazenda já poderia ter publicado a portaria que se apresenta agora, ao menos a maior parte do seu conteúdo. Talvez isso tivesse agilizado o processo de regulamentação ou, quando menos, teria dado maior segurança a todas as partes interessadas, tais como operadores, reguladores das diversas esferas federativas, times esportivos, meios de comunicação e, sobretudo, os apostadores.
Divagações à parte, o que interessa é o que efetivamente traz a Portaria Normativa nº 1.330/2023. E, infelizmente, a resposta é que não traz muito, ainda. Trata-se de mais uma norma ampla, de referência, mas que não disciplina a loteria de aposta esportiva com muitos detalhes, ressalvados os temas do Jogo Responsável e da Publicidade.
Primeiramente, a Portaria traz o seu campo de aplicação: condições gerais para exploração comercial da loteria de aposta de quota fixa no território nacional, inclusive as empresas que exploram a modalidade no Brasil antes da outorga da autorização prevista na Lei.
Não há dúvida de que a Portaria do Ministério da Fazenda aplica-se a todas as empresas e partes interessadas na exploração da loteria de aposta de quota fixa autorizada pela União Federal. Todavia, a Portaria omite-se sobre um tema e avança sobre o outro.
O tema omitido são as loterias estaduais. A omissão da Portaria, ao nosso ver, é explicada pelo fato de que a Portaria 1.330 traz dupla regulamentação. De um lado, disciplina normas gerais da loteria de aposta de quota fixa para todos os entes federativos.
De outro lado, entretanto, disciplina a loteria federal de forma específica. Tais normas específicas, não são aplicáveis às loterias estaduais, em razão da divisão de competência federativa. A questão é saber quais normas são gerais e quais são específicas.
Já o tema sobre o qual a Portaria avança são as “empresas que exploram comercialmente a modalidade lotérica de apostas de quota fixa no território nacional, inclusive anteriormente à outorga de que trata o art. 29 da Lei 13.756, de 2018”. A quem se destina essa norma?
A norma poderia ser destinada para as empresas estrangeiras de apostas que aceitam apostas de brasileiros e possuem foco no Brasil. Se for isso, é possível questionar a extraterritorialidade da norma e sua legitimidade. Há quem questione se seria possível o Ministério da Fazenda disciplinar a atuação de empresas sediadas fora do Brasil e com operação fora do país.
Já a outra interpretação é a de que a Portaria 1.330 declara uma autorização implícita conferida pela omissão estatal em regulamentar a Lei 13.756, pois reconhece que existem operadores em território nacional e passa a regulamentá-los, em vez de proibir a sua atividade até a obtenção de uma autorização do Ministério da Fazenda.
Quanto ao regime de exploração das apostas, a Portaria 1.330 não traz muita novidade, prevendo que serão expedidas normas específicas pela área técnica do Ministério da Fazenda.
O art. 5º, especificamente, reprisa o regime jurídico das contratações públicas e deixa os requisitos específicos para futura regulamentação.
No que diz respeito às empresas estrangeiras, a Portaria 1.330 traz a regra que já vinha sendo anunciada incessantemente pelo Governo Federal, de que as empresas estrangeiras deverão constituir empresa subsidiária no Brasil para obter a autorização.
No entanto, o art. 6º traz duas regras interessantes e juridicamente questionáveis. A primeira é a exigência de o operador comprovar a origem lícita dos recursos que compõem o capital social. Não vislumbramos qual o fundamento jurídico ou constitucional para essa exigência, que olvida da presunção de inocência e da boa-fé.
Já a segunda regra é a demonstração de idoneidade dos responsáveis legais, sócios, beneficiários finais e ocupantes de cargos estratégicos das empresas, conforme regulamento específico. Outra vez, não há fundamento legal ou constitucional para essa regra. Inclusive, desde 2021, quando publicamos nosso livro sobre a Regulamentação dos Jogos de Azar e das Loterias no Brasil, já alertávamos que regras desse tipo dependem de previsão legal e devem ser objetivamente colocadas. Previsões genéricas de demonstração de idoneidade não encontram respaldo no direito brasileiro.
Já as normas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e outros delitos apenas reafirmam o que já consta no direito brasileiro.
Indo adiante, a Portaria 1.330 traz um capítulo contendo os direitos e obrigações do apostador. São regras gerais que buscam dar transparência e segurança ao jogador. Porém, novamente, sem muitos detalhes.
Um dos capítulos com mais novidades talvez seja o que disciplina o Jogo Responsável. Nesse ponto, a Portaria 1.330 define o que é o Jogo Responsável e traz regras mínimas para assegurá-lo e para prevenir o jogo patológico.
Chama-se a atenção para a vedação do operador receber dinheiro em espécie, pagamento por boleto, depósito de terceiros na conta do apostador e instrumentos de pagamento pós-pago.
Em matéria de publicidade e marketing, a Portaria também traz diversas vedações e obrigações aos apostadores.
Por fim, a Portaria 1.330 criou um instrumento jurídico inovador, a chamada manifestação prévia de interesse. Tal instrumento permite que as empresas manifestem seu interesse em obter a autorização do Governo Federal para explorar apostas de quota fixa e lhes garante prioridade na análise de seus pedidos de autorização para exploração das apostas. Tal prioridade também não parece ter respaldo legal.
Feito esse breve resumo da Portaria 1.330, a pergunta que fica é o que muda na prática.
Para o apostador, a situação tende a não mudar muito. Enquanto não houver maior detalhamento da regulamentação, o apostador não deve sentir maiores mudanças. Mesmo as normas de Jogo Responsável não devem afetar a vida do apostador.
Já para os operadores que tenham apostadores brasileiros, sejam eles nacionais ou internacionais, deve-se atentar para as regras de Jogo Responsável e de Publicidade, principalmente. De acordo com a Portaria 1.330, estas normas já estão em vigência desde 27 de outubro de 2023.
Como se pode ver, a Portaria 1.330 não representa grande inovação. Traz um pouco mais de detalhes das regras de publicidade e de Jogo Responsável, mas ainda deixa muito em aberto nos demais temas, especialmente no que diz respeito à autorização para exploração da quota fixa. Agora, cabe-nos aguardar os próximos passos do Ministério da Fazenda e do Congresso Nacional, que podem impactar essa Portaria também.